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Está o Google a tornar-nos estúpidos? (Nelson Marques)

Bem-vindos ao “fast-food” dos conteúdos

Está o Google a tornar-nos estúpidos?

O motor de pesquisa mais popular do planeta revolucionou a forma como acedemos à informação. Mas parece também ter ajudado a mudar a forma como a lemos e processamos.

Está o Google a estupidificar-nos?” A inquietação, explorada pelo ensaísta Nicholas Carr na última edição da revista americana ‘The Atlantic’, fez soar o alarme. Como pode ser isso possível se, graças à extraordinária invenção de Larry Page e Sergey Brin, até mesmo os menos cultos têm à distância de um clique as respostas para se sentirem capazes de ganhar o ‘Quem Quer Ser Milionário?’. Como se, graças ao mais famoso motor de pesquisa do mundo, deixou hoje de fazer sentido saber menos que uma criança de 10 anos desde que haja um computador à mão? Como, se pesquisas que antes poderiam levar dias numa qualquer biblioteca pública podem ser agora realizadas em apenas minutos. Como?

O Expresso foi ouvir alguns especialistas sobre a forma como a Internet tem afectado os nossos cérebros e as conclusões são preocupantes: quanto mais tempo passamos na Internet, maior dificuldade temos em nos concentrar numa leitura mais vasta e profunda, como a de um livro. Da sociedade da informação nasceu um novo tipo de leitores: mais contemplativos e menos interpretativos. Onde é que já ouvimos isto?

A pergunta de Carr é, naturalmente, provocatória. O autor não pretende demonizar o Google, antes usá-lo como exemplo da forma como, apesar das suas vantagens inequívocas, a afirmação da Web como o “media” universal representa um elevado preço a pagar pelos nossos mecanismos cognitivos. “Não me consigo concentrar se não houver gratificação instantânea”, admite Edson Medina, programador informático há 10 anos, o que, nas suas próprias palavras, o coloca “no grupo dos mais expostos” ao problema. “Tenho de reler inúmeras vezes as páginas porque me distraio constantemente e perco-me. Muitas vezes, talvez a maioria, acabo por desistir antes de terminar o livro. A minha capacidade de concentração ruiu nos últimos anos e quer-me parecer que não estou sozinho nisto”.

Não está, de facto. Celso Martinho, co-criador do Sapo, o primeiro motor de busca português, admite que a Internet também alterou a forma como encara a leitura, bem como outras actividades que requerem “concentração, atenção e dedicação”. “Leio hoje de forma completamente diferente do que fazia há cinco ou 10 anos. Faço-o em busca da satisfação imediata, pulo capítulos ou partes desinteressantes, leio-o na diagonal, adultero o livro”.

Este tipo de comportamento foi identificado num dos poucos estudos que relacionam o uso intensivo da Internet com alterações ao nível da cognição. Investigadores do University College de Londres apontaram algumas pistas sobre as mudanças que estão a ocorrer na forma como lemos e pensamos. Os cientistas analisaram o comportamento dos visitantes de dois sítios populares que permitem o acesso a livros electrónicos, artigos e outras formas de informação escrita e concluíram que os internautas efectuavam uma leitura superficial da informação, saltando entre uma fonte e outra. Em média, não liam mais de uma ou duas páginas de um livro ou artigo e raramente regressavam a alguma fonte que já tivessem consultado.

“A consulta na Internet é geralmente feita de uma forma acelerada. Muitas vezes, a leitura é feita na diagonal. O próprio modelo de escrita é mais curto e, muitas vezes, menos cuidado. Está a ler-se mais, mais rápido e em períodos mais curtos. A frase longa, tal como o texto longo, não sobrevive”, reconhece o neurologista António Freire. O especialista admite também que as novas gerações, “com uma exposição mais precoce e prolongada à Internet”, possam estar a desenvolver “novos modelos de formatação da leitura”, rejeitando os hábitos de leitura das gerações mais antigas, “que exigem uma enorme disponibilidade, uma concentração mais prolongada e dirigida, e uma reflexão mais profunda”.

Apesar de não existirem ainda estudos aprofundados que explorem as implicações cognitivas da nova sociedade da informação, parece inegável que a Internet e invenções como o Google vieram alterar as formas tradicionais de leitura. Os jovens de hoje não lêem necessariamente menos que a geração anterior. Com o “instant messaging” e o SMS dos telemóveis, lêem até provavelmente mais, mas fazem-no de forma diferente, mais contemplativa e menos interpretativa, uma revolução semelhante à que o advento da televisão provocou. “O problema”, alerta Celso Martinho, “é o tipo de informação que a Internet dá, e que os motores de busca privilegiam, que é em grande parte desinformação, efémera, sensacional, barata. É o “fast-food” dos conteúdos”.

Para o professor universitário José Manuel N. Azevedo, o desenvolvimento da sociedade da informação teve, pelo menos, uma vantagem óbvia, ainda que esta tenha também um lado menos positivo. “Sou um viciado em livros e se alguma coisa o Google e a Amazon, por exemplo, fizeram foi facilitar a localização de livros interessantes e, consequentemente, diminuir a minha conta bancária. Leio, por isso, tanto ou mais do que lia há 10 anos”.

Em particular no caso dos mais jovens, explica Azevedo, o reverso da medalha está na dispersão, provocada por dois excessos: um de informação e outro de solicitações. O primeiro faz com que os estudantes tenham dificuldade “em separar o trigo do joio, isto é, ajuizar a informação que encontram”. O segundo, torna a concentração muito mais difícil. “O computador junta muitos ambientes que antigamente estavam separados. Estudávamos na biblioteca, trabalhávamos nas salas de aula, conversávamos na cantina, ouvíamos música em casa ou nos bares e discotecas. Agora está tudo reunido num único local. E há tanta coisa interessante à distância de um clique…”

Privacidade comprometida?

O Google tornou-se quase um banco que, ao invés de dinheiro, guarda informação. Quando utilizam os seus serviços, os internautas colocam nos computadores do gigante da Internet dados sobre as suas pesquisas, fotos, blogues, vídeos, calendários, e-mails, contactos, redes sociais, mapas, documentos, informações de cartões de crédito e até registos médicos. São ao todo 10 mil servidores que armazenam uma fatia substancial da vida de milhões em todo o mundo, o que provoca sentimentos ambivalentes.

Se, por um lado, o Google se tornou o maior centro de conhecimento do planeta, por outro poderia, se quisesse, compilar dossiês sobre indivíduos específicos. A empresa, cujo lema é ‘Don’t do evil’ (não façam o mal), tem procurado manter o equilíbrio desta relação, consciente que os dados que recolhe podem constituir tanto uma mina publicitária como afastar os utilizadores se estes sentirem que a sua privacidade está a ser demasiado invadida.

A principal fonte de rendimentos do Google é a publicidade. A abordagem segue o mesmo princípio da pesquisa: apresentar ao utilizador os anúncios que lhe possam ser mais relevantes. Cada vez que o internauta realiza uma pesquisa, o Google anexa aos resultados pequenos anúncios seleccionados de acordo com os termos procurados, beneficiando tanto os consumidores como os anunciantes. Estes têm a possibilidade de anunciar nos resultados no motor de busca – pagando apenas se o utilizador tiver carregado nos anúncios, uma abordagem conhecida por “pay-per-click”.

Império começou na garagem

Em apenas uma década, a empresa nascida no interior de uma garagem californiana transformou-se na marca mais valiosa do mundo. O império Google não pára de crescer.

Ambição foi algo que nunca faltou a Larry Page e Sergey Brin. Quando, a 7 de Setembro de 1998, os então dois estudantes de doutoramento da Universidade de Stanford, ambos com 24 anos, criaram a Google Inc. e a instalaram na garagem de um amigo no norte da Califórnia, o seu objectivo era disponibilizar a melhor ferramenta de pesquisa na Internet. Uma década volvida, o objectivo foi largamente superado. O Google tornou-se literalmente sinónimo de pesquisa, sendo consagrado como verbo em dicionários de língua inglesa.

Mas a empresa é hoje muito mais que o seu motor de busca, ainda que este seja indubitavelmente o mais famoso do planeta. À estratégia inicial virada para a pesquisa somaram-se a publicidade – os pequenos anúncios anexados aos resultados das buscas e de outras páginas, como os blogues, são a principal fonte de receitas da empresa – e, mais recentemente, as aplicações de software. Por exemplo, através de uma série de aquisições e a uma parceria com a Sun Microsystems, a companhia oferece na sua barra de ferramentas uma alternativa aos programas do Office da Microsoft.

A empresa que nasceu com o objectivo de “organizar a informação do mundo” cresceu de tal forma que é hoje um vasto império que se estende pelas áreas do vídeo (Google Video e YouTube), classificados (Google Base), e-mail (Gmail), redes sociais (Orkut), fotografia (Picasa), comércio electrónico (Google Checkout), ferramentas de blogues (Blogger), localização geográfica (Google Maps e Google Earth), livros em formato electrónico (Google Books), notícias (Google News), VOIP (Google Talk), banda larga (Google TiSP), etc.

A multinacional tem estudado também novas formas de oferecer aos consumidores ligações Wi-Fi gratuitas ou pelo menos substancialmente mais baratas que as da concorrência. Para isso, quer aproveitar o espectro disponível nas transmissões televisivas dos EUA, ou seja, o espaço não ocupado nas transmissões de satélite ou cabo que será libertado na transição para o sistema digital a partir de Fevereiro de 2009. A gratuitidade ou baixo preço do serviço poderiam ser compensados pelo recurso à publicidade.

“A maior parte dos serviços existe directa ou indirectamente para servir os objectivos do Google enquanto motor de busca”, afirmou ao Expresso António Dias, consultor em optimização de motores de pesquisa e autor do blogue Marketing de Busca. “O conhecimento da forma como os utilizadores se comportam permite à Google aferir da relevância do seu algoritmo, melhorá-lo e servir melhores anúncios, no seu site e na sua rede”.

Page e Brin bem podem pregar que a sua motivação é melhorar o mundo e não maximizar lucros mas a verdade é que a expansão do universo Google se tem traduzido em muito dinheiro. Entre as cinquenta pessoas mais ricas do planeta apenas duas têm menos de 40 anos: têm ambas 34 anos e acumulam, cada uma, uma fortuna de mais de €10 mil milhões, segundo a Forbes. E, claro, esses dois multimilionários são os dois fundadores da Google.

NÚMEROS

10

mil milhões de euros é a fortuna dos fundadores do Google, Larry Page e Sergey Brin, de 34 anos 11

mil milhões de euros foi o volume de negócios da empresa no ano passado 2,8

mil milhões de euros foi o lucro no ano passado, mais 36 por cento que no ano anterior 3260

é o número de pesquisas no Google feitas em todo o mundo a cada segundo que passa – não é a cada minuto, é a cada segundo!

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